segunda-feira, 21 de maio de 2018

CERVEJA&CIA

Pequenos Notáveis
Wilson Renato Pereira
Jornalista, Psicólogo, Psicanalista


Rafael Quick, Samuel Viterbo, Luiz Furiati, Marcelo Machado no bar Juramento 202 base da cervejaria Viela no Pompéia

Há pouco mais de dez anos, utilizando equipamentos simples, talento e uma enorme vontade de fazer boas cervejas, como as que chegavam do exterior, pequenos produtores iniciaram em Minas Gerais um movimento que, mais tarde, tornou nosso estado em um dos mais respeitados do país no setor. Eis as histórias de alguns deles.



Cervejeiros de raiz

Quem for à rua Juramento, no Pompéia, um bairro de classe média baixa na zona leste de Belo Horizonte, pode ter um exemplo perfeito do que significa o termo “raiz”. É a Cervejaria Viela e seu anexo, o bar Juramento 202, instalados em imóvel centenário em uma das mais tradicionais regiões da capital mineira. 

O conforto é limitado, mas não incomoda os clientes que lotam o pequeno salão e a rua ao lado, em pé, sentados em bancos improvisados ou no meio-fio mesmo. A Cervejaria Viela é de Samuel Viterbo, Marcelo Machado, Luiz Furiati e Rafael Quick, cujo único propósito é produzir cervejas boas e baratas e servi-las num ambiente que procura resgatar o clima de estabelecimentos tradicionais da “cidade dos bares”, como BH é conhecida.

Apesar de utilizarem ingredientes de qualidade, os custos de funcionamento da fábrica e do bar são baixos. Vendas somente no balcão e não existe atendimento nas mesas, como nos pubs europeus. A informalidade do local atrai não só entendidos em cerveja, mas quem busca interação social ou, simplesmente, quer tomar uma boa breja gelada com tira-gosto idem, sem gastar muito. 

“No início, os vizinhos ficaram preocupados com a movimentação, mas, hoje, fazem parte da clientela e sempre chega alguém para encher garrafas nas nossas torneiras. Fazemos questão de um relacionamento bem próximo, priorizando as compras para nossa cozinha em fornecedores do próprio bairro. Eu mesmo me mudei para cá e agora faço parte da comunidade", explica Samuel Viterbo.

Um dos motivos que fazem clientes deixar redutos cervejeiros tradicionais na sofisticada Savassi e ir para o bairro Pompéia, atravessando a cidade, é também a busca de novas experiências gastronômicas. No bar Juramento 202, encontram a culinária normal e ainda receitas com base em folhas, sementes, raízes, grãos e plantas alimentícias não convencionais. Até as cervejas são diferentes, muitas vezes não se enquadrando nos estilos descritos nos manuais técnicos.

Os sete mil litros mensais de American Pale Ales, Sours, India Pale Ales, Blondes, Rauchbiers e outros estilos podem vir com adição de abacaxi, jabuticaba, beterraba, limão capeta etc, dependendo da inspiração do cervejeiro no dia da brassagem. Além disso, quem não gosta de cerveja pode pedir bebidas naturais algo exóticas, como o refrigerante Guaramão, ou o rum Xeque-Mate, que mistura guaraná, chá mate e limão, produzidos por parceiros da Cervejaria Viela.



De abstêmio a cervejeiro

Se alguns preferem cervejas boas e baratas, outros, também exigentes, não fazem economia e pagam o que for preciso para ter exatamente o que gostam. Este é o perfil dos consumidores da Cervejaria Koala San Brew, localizada no bairro Jardim Canadá, município de Nova Lima, na Grande BH.

O proprietário, Luiz Gustavo Simoni, o Koala, tem esse apelido porque morou dois anos na Austrália e vem de uma família cervejeira. Interessante é que tomou gosto pela bebida após um longo período sem consumir álcool, quando se dedicava a meditar e estudar música. Após ser apresentado à cerveja por um amigo, virou homebrewer. O que o levou de volta à tradição industrial da família foi um insight que teve, olhando uma foto do bisavô na frente da sua fábrica, no início do século passado.

Aplicando conhecimentos do curso de Administração de Empresas, vendeu o que tinha para instalar uma planta cervejeira de mil litros mensais. Contando com ajuda do pai e financiamentos, por dois anos trabalhou praticamente sozinho, com apenas um ajudante de chão de fábrica.

Começou a produção caseira com uma Imperial Porter que leva café expresso e baunilha, a Badmotorfinger, seguindo-se a West Coast Double India Pale Ale California Crossing e a American Wheat Amarilla, com lupulagem americana. Atualmente, são quarenta receitas e mais de cinco mil litros mensais produzidos, a maior parte variações de IPAs, o estilo preferido da clientela Koala.

Além do serviço na própria cervejaria, de quinta a domingo, a produção é destinada a mais de 200 lojas especializadas em várias cidades brasileiras, sendo 40% em São Paulo e 30% em Minas Gerais. Num dos pontos de venda mais famosos do Brasil, o Empório Alto dos Pinheiros, na capital paulista, as cervejas Koala chegam a ocupar, às vezes, quarenta por cento do serviço on-tap, segundo Simoni.

A KSB tem planos de crescimento em níveis orgânicos, sem grandes investimentos. “Estou focado em continuar produzindo cervejas excelentes, que eu próprio gostaria de consumir, e acho que um aumento de escala pode ser prejudicial. Para o futuro, a ideia é aperfeiçoar tecnologicamente a fábrica, implantando painel sensorial moderno e controle remoto na produção”, afirmou.




Amizade Cigana

Um encontro de um biólogo e gastrônomo e um engenheiro civil num curso de tecnologia cervejeira, resultou numa grande amizade e na formação de uma dupla cigana. Para quem não entendeu, vai a explicação: no meio cervejeiro, são chamados de ciganos os produtores sem instalações próprias, que alugam equipamentos para produzir suas receitas.

Esse foi o início da “Dos Caras”, marca responsável por algumas das melhores cervejas do mercado. Os “caras” são Leo Nascimento, o biólogo/gastrônomo, e Ramon Garcia, o engenheiro. Como é normal no ramo, começaram fazendo suas primeiras cervejas em casa, para consumo próprio e de amigos.

Em 2015, em concurso da Associação Mineira dos Cervejeiros Artesanais – Acerva, ganharam medalha de prata com uma Califórnia Common, cerveja híbrida feita com leveduras Lager e fermentadas em temperatura de Ales. A premiação animou a dupla a investir profissionalmente no setor, mas, como não tinham capital suficiente e o risco era considerável, o caminho cigano foi a saída, já que nenhum dos dois podia deixar seus empregos na época.

Inicialmente, foram produzidos mil litros em tanques alugados. A proposta era fazer cervejas menos comuns, que eles próprios gostariam de beber. Com a parceria dando certo, tanto Leo quanto Ramon saíram dos seus empregos e se dedicaram exclusivamente ao novo negócio.

As receitas diversificaram e a produção triplicou, o que exigiu uma nova forma de parceria, através de contratos de longo prazo com cervejarias de maior porte. Além da pioneira California Common, o portfolio “Dos Caras” hoje abrange a Blanc (America Wheat, com adição de uvas brancas), a Pacific Road (West Coast IPA, com aroma e sabor marcantes para atender lupulomaníacos), a Golden Mocha (Coffee Beer, com mistura inusitada de aveia, cacau, baunilha e café) e a Orange Ordinary Bitter (Ale inglesa de amargor marcante e baixo teor alcoólico). O lançamento mais recente é a American Pale Ale Lemon APA, cerveja muito refrescante e que leva doses generosas de lúpulos cítricos americanos.

Apesar de se considerarem mais cervejeiros do que empresários, os ex-ciganos Léo Nascimento e Ramon Garcia sonham alto e pretendem ampliar seus negócios. Prospectam cervejarias em várias regiões brasileiras para produzir suas receitas, ampliando pontos de venda na Bahia, Espírito Santo, Goiás, Pernambuco, Brasília, São Paulo e Rio, além de Minas Gerais. 

Mas dizem que isso não vai significar perda da sua essência homebrewer e nem abrir mão da qualidade. “A Cervejaria ‘Dos Caras’ planeja seu crescimento com os pés no chão, com base em eficiência gerencial e de olho nas demandas do mercado de cervejas artesanais, sempre aberto a novos e bons produtos”, asseguram.



A cerveja da vez

GOLDEN MOCHA “DOS CARAS”



Essa receita, classificada como Coffee Ber, poderia lembrar uma Stout, não fosse sua coloração dourada. É uma mistura de inusitada de aveia, cacau, baunilha e café especial, resultando numa bebida altamente cremosa e com moderado amargor (35 IBU). O teor alcoólico é 6%.

A Golden Mocha (pronuncia-se “moca”) possui acidez cítrica refinada e a extrema doçura do café Catuaí Amarelo marca Flor de Café, da Associação dos Produtores do Sul de Minas. Segundo os fabricantes, “seu sabor esplendoroso é uma verdadeira poesia gastronômica, produzida pelas mãos de Markim Gomes, mestre em torrefação da fazenda Ninho da Águia, no Alto Caparaó mineiro”.

A Golden Mocha harmoniza bem com doces, em especial brownie e tiramisù, queijo minas frescal e carnes tostadas, como costelas de boi. 



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